Lasca
Vladímir Zazúbrin
Carambaia
9788569002512
Idioma: Português
128 Páginas
Escrito em 1923 pelo russo Vladi?mir Zazu?brin (1895-1937), Lasca so? veio a pu?blico em 1989, grac?as a?s reformas liberalizantes da gla?snost de Mikhail Gorbatchov. Com isso, seu peri?odo de proibic?a?o ta?cita quase coincidiu com a existe?ncia oficial da Unia?o Sovie?tica (1922-1991). Nada mais significativo, ja? que o romance, publicado agora pela primeira vez no Brasil pela CARAMBAIA, revela o aparato de terror e extermi?nio das forc?as de seguranc?a sovie?ticas ja? nos primeiros anos apo?s a Revoluc?a?o Comunista de 1917. Com o recrudescimento do regime, o pro?prio Zazu?brin viria a ser fuzilado no auge da repressa?o stalinista.
A primeira cena do livro ja? deixa claro do que se trata: numa cidade da Sibe?ria, um caminha?o espera para recolher pilhas de corpos de inimigos do regime, executados no interior de um pre?dio da Tcheka? a Comissa?o Extraordina?ria para Luta contra a Contrarrevoluc?a?o e Sabotagem, antecessora da KGB. No interior, um militar estrangula outro, condenado sem julgamento. Ao lado, um padre balbucia uma orac?a?o.
Lasca descreve um breve peri?odo da vida de Andrei Sru?bov, o burocrata-chefe da Tcheka? provincial da Sibe?ria, que divide seu tempo entre um gabinete atulhado de pape?is e um pora?o onde se praticam os rituais de fuzilamento. Ainda que mal remunerado, e? seu dever zelar pelo funcionamento da ma?quina alimentada pelo sangue de homens e mulheres considerados pequenos-burgueses, espio?es ou contrarrevoluciona?rios, e mesmo bolcheviques cai?dos em desgrac?a.
Disciplinado e ambicioso, a? frente de uma rede de informantes e agentes secretos, Sru?bov procura, e em geral consegue, na?o se deixar levar por sentimentalismo ou compaixa?o. A todo momento, encontra suas justificativas na existe?ncia de uma entidade acima do bem e do mal, um objetivo maior que ele chama apenas de Ela a revoluc?a?o. O burocrata diz para si: E Ela na?o e? uma ideia. Ela e? um organismo vivo. Ela e? uma grande mulher gra?vida. Ela e? a mulher que acalenta seu bebe? que esta? para nascer.
Mesmo se sentindo blindado pelo o?dio, como admite numa conversa com seu pai, a quem acusa de se mover por ideologia, Sru?bov na?o deixa de experimentar no corpo as conseque?ncias de seu ofi?cio sangrento. Sem perceber, mergulha num abismo psicolo?gico. Apesar de toda a dedicac?a?o, ve?-se a? deriva, como algue?m agarrado a uma lasca que se desprende de uma jangada.
No se?culo do terror totalita?rio, Lasca guarda semelhanc?a com distopias litera?rias, em particular o conto Na colo?nia penal, de Kafka, e antecipa, em Sru?bov, a figura do burocrata nazista e a banalidade do mal descritas por Hannah Arendt em Eichmann em Jerusale?m. Em meta?foras perfeitamente aplica?veis aos horrores das de?cadas seguintes, Zazu?brin descreve o pre?dio da Tcheka? como uma ma?quina voraz ou um animal contorcido e feroz.
Vladi?mir Zazu?brin e? o pseudo?nimo de Vladi?mir Ya?kovlevich Zubtzov, nascido em Penza, na regia?o central da Ru?ssia, filho de um ferrovia?rio que se engajou na Revoluc?a?o de 1905 e por isso foi deportado internamente. O futuro escritor aderiu a? facc?a?o bolchevique ainda adolescente e, durante a Revoluc?a?o de 1917, infiltrou-se na Okhrana, a poli?cia secreta czarista. Aos 17 anos escreveu sua primeira novela. Com a vito?ria da revoluc?a?o, assumiu um cargo num banco estatal. Em seguida, aparentemente forc?ado, juntou-se a?s forc?as antirrevoluciona?rias e, em 1919, desertou e voltou a se associar aos bolcheviques. Problemas de sau?de o afastaram da luta, e Zazu?brin passou a se dedicar a? carreira litera?ria.
O primeiro romance, Dois mundos (1921), sobre a Guerra Civil, foi elogiado pelo escritor de maior reconhecimento oficial, Ma?ksim Go?rki, e por Le?nin. Zazu?brin ganhava presti?gio quando, aos 28 anos, escreveu Lasca, rejeitado pela pro?pria revista em que trabalhava. Nenhuma editora se interessou em publica?-lo. Zazu?brin ainda escreveu va?rios livros que suscitaram acusac?o?es de serem contrarrevoluciona?rios, ate? ser expulso do Partido Comunista. A morte de Go?rki, em 1936, privou o escritor de seu u?ltimo defensor de peso, e ele foi executado no ano seguinte. Apesar da contunde?ncia, acredita-se que Lasca foi escrito na?o com fervor anticomunista, mas com a intenc?a?o de denunciar mazelas que o regime poderia extirpar.
A edic?a?o da CARAMBAIA tem traduc?a?o e posfa?cio de Irineu Franco Perpetuo. O projeto gra?fico, assinado por Elisa Von Randow, traz pa?ginas infiltradas de tinta vermelha, evocando seu cena?rio sangrento. A capa se inspira no artista Kazimir Malevich (1879-1935) e alude ao esmaecimento da figura do revoluciona?rio russo diante do avanc?o do totalitarismo.
Tradução e posfácio: Irineu Franco Perpetuo
Projeto gráfico: Elisa Von Randow