1968 é um ano emblemático. Maio, na França, um mês simbólico.
Ano emblemático porque recolhe numa unidade de sentido o que se passou antes dele no correr dos anos 1960 e do que viria a acontecer depois dele no correr dos anos 1970. Primavera de Praga contra o totalitarismo soviético; movimento estudantil de Berkeley contra a guerra do Vietnã; criação da universidade crítica na USP, abrindo uma experiência que se espalha para várias universidades brasileiras em luta contra a ditadura e o autoritarismo acadêmico; movimento estudantil na França contra o servilismo das ciências sociais, curvadas às imposições da sociedade industrial capitalista, e o sombrio futuro dos estudantes nessa sociedade; início da guerrilha revolucionária nos países da América do Sul com a palavra de ordem de Che Guevara (um, dois
muitos Vietnãs); desenvolvimento do feminismo e do movimento ecológico, nos Estados Unidos; em toda parte, movimentos de luta pela liberação da sexualidade contra a repressão consolidada pela moral vitoriana; nascimento da música de protesto e da contracultura como expressão de todos esses movimentos e lutas no Brasil, sem lenço e sem documento, canta-se que nada será como antes, apesar de você.
Mês simbólico porque a rebelião estudantil francesa não se confina ao ambiente universitário, mas ocupa as ruas, onde inventa uma nova sociabilidade tirando do isolamento os habitantes das cidades, pratica a guerrilha construindo barricadas para enfrentar as forças policiais, espalha-se pelas fábricas que, passando da solidariedade aos estudantes à presença política própria, deflagram uma greve geral, pondo em questão os partidos de esquerda tradicionais sempre desejosos de tomar o poder e ameaçando a queda do bastião da república francesa, o presidente De Gaulle.
Os textos reunidos neste livro manifestam o espanto diante dos acontecimentos, a esperança de uma mudança social e política sem precedentes na Europa e o trabalho da interrogação do novo.
São textos duplamente heterogêneos: em primeiro lugar, porque se situam historicamente em dois momentos distintos escritos no calor da hora e vinte anos depois; em segundo, porque se oferecem como interpretações cujo centro varia a ênfase de Morin e Lefort recai sobre a juventude estudantil, enquanto a de Castoriadis se debruça sobre a participação proletária nos acontecimentos e cuja interrogação propõe, para Morin e Castoriadis, a questão da revolução, enquanto Lefort a descarta de imediato.
Todavia, tanto nos textos da primeira hora quanto nos dos anos 1980, é possível encontrar um ponto de convergência: maio de 68 demoliu a imagem comunista da revolução, não somente porque o sujeito político não foi a classe operária guiada pela vanguarda do partido (não sendo casual que os vários partidos leninistas, trotskistas, maoístas ocupassem a cena política somente com o fim do movimento estudantil), mas também porque a rebelião estudantil não pretendeu a tomada do poder, porém se ergueu contra todas formas de poder e autoridade, abrindo uma brecha no tecido cerrado da sociedade e da universidade francesas.
Nos textos tardios, além o acerto de contas com os primeiros escritos e do exame crítico da avalanche de interpretações que inundou a França (e a Europa), vale a pena assinalar dois aspectos. No caso de Morin e Castoriadis, o olhar se volta para o panorama amplo dos anos 1960 para nele inserir o maio francês, isto é, o surgimento dos movimentos sociais dos direitos civis (dos negros nos USA), do feminismo, da ecologia, da liberação sexual e, do lado da juventude, o surgimento da contra-cultura. No caso de Lefort, a introdução da idéia de desordem permite compreender não apenas o maio francês, mas também os movimentos sociais como expressões da democracia, isto é, como conflito legítimo e contestação permanente dos poderes e das instituições no interior da sociedade.