Retorno à condição operária
Stéphane Beaud e Michel Pialoux
Boitempo
ISBN:9788575591390
Idioma: Português
331 Páginas
Retorno à condição operária, de Stéphane Beaud e Michel Pialoux, é um clássico da sociologia do trabalho. A partir de uma profunda pesquisa sobre as transformações vividas pela classe operária a partir da década de 1980, os autores buscam compreender o processo que resultou na perda de expressão política do operariado. Trata-se de um retrato não só das estratégias patronais para dissuadir a organização coletiva, mas também do impacto de novas técnicas gerenciais que alteraram de maneira significativa o sentido de identidades no mundo do trabalho.
O objeto de estudo de Beaud e Pialoux são as fábricas da montadora Peugeot, da região fabril de Sochaux-Montbéliard, na França. É a partir de uma imersão nesse local de pesquisa que os autores costuram uma ampla etnografia, avaliando desde aspectos históricos, conjunturais e sindicais até o mapa cultural do movimento, ampliando o escopo da sociologia do trabalho mais tradicional. A perda do prestígio simbólico da classe, a compressão dos espaços de socialização, a divisão geográfica do trabalho e as diferenciações geracionais e de gênero no conjunto dos trabalhadores são alguns dos muitos aspectos que ajudam a compreender a situação do universo operário hoje.
O trajeto percorrido pelos autores retoma as consequências sociais e industriais desse desmonte, contribuindo para desfazer o mito de que a classe perdeu peso e importância na organização social, sobretudo para as análises acadêmicas e projetos políticos. Com isso, a obra propõe um retorno à condição operária como modo de compreender e transformar a sociedade.
Nas palavras de Marco Santana, que assina a orelha desta edição, estão em tela questões tais como: as mudanças no mundo do trabalho e seus impactos para a vida da classe trabalhadora, as novas estratégias empresariais, o papel da escola e da família nesse novo contexto, os conflitos intergeracionais e os processos de desfiliação e delinquência que podem surgir desse mundo em mutação. Enfim, questões que hoje, dada a mundialização, estão postas, ainda que em graus diversos, em todas as partes do globo.
Retorno à condição operária, publicado no âmbito do Ano da França no Brasil, contou com o apoio do Ministério francês das Relações Exteriores e Europeias.
Trecho da obra
Nessa nova configuração industrial, a amálgama social (gerações, qualificações), característica da grande fábrica fordista, tende a desaparecer em proveito de uma homogeneização social e profissional dos assalariados. Nessas unidades de produção cada vez mais especializadas, a ruptura entre gerações se acelera e a triagem seletiva permite, de um lado, afastar os operários não empregáveis ou incômodos (por exemplo, os que ainda se atrevem a falar de sindicato) e, de outro, manter apenas os que, acredita-se, são susceptíveis de curvar-se às novas exigências. Assim, os novos critérios adotados para contratar os jovens operários são a competência, a adaptabilidade, a reatividade e o potencial. Por trás do jargão desse novo modo de gestão, que se baseia largamente numa lógica de flexibilidade, o que se encontra são julgamentos de ordem técnica e social.
Nossa investigação em campo, que desde 1996 se concentrou no caso das novas pequenas empresas instaladas nas imediações do centro de Sochaux (os fornecedores da indústria de automóveis), revela uma forte degradação das condições de trabalho nessas fábricas: recurso maciço ao trabalho precário (temporário e de duração determinada), seleção quase que exclusiva de jovens, em geral contratados para ocupar os postos de operador, horários extremamente variáveis, imposição de ritmos de trabalho intensos, individualização desmedida e marginalização sindical. O salário mínimo é o único horizonte salarial possível; a própria ideia de progressão salarial e de carreira operária parece excluída, ou mesmo inconcebível. A enorme concorrência entre jovens para ocupar esses empregos basta para manter uma forte pressão salarial. Esse modo de organização do trabalho, na ausência de um contrapoder, intensifica as lutas de concorrência e obstrui a construção das formas de solidariedade.