O reino e a glória
Giorgio Agamben
Boitempo
ISBN:9788575591413
Idioma: Português
328 Páginas
Com O reino e a glória, a investigação sobre a genealogia do poder iniciada pelo filósofo italiano Giorgio Agamben há treze anos com a obra Homo sacer chega a uma encruzilhada decisiva. Em seus novos estudos, Agamben desvenda qual é a relação que liga tão intimamente o poder à glória e a todo o aparato cerimonial e litúrgico que o acompanha desde o início. Revela que, nos primeiros séculos da história da Igreja, a doutrina da Trindade (o Pai, o Filho e o Espírito Santo) é introduzida sob a forma de uma economia da vida divina, como um problema de gestão e de governo da casa celeste e do mundo, aparecendo inesperadamente na origem de muitas categorias fundamentais da política moderna, desde a teoria democrática da divisão dos poderes até a doutrina estratégica dos efeitos colaterais, desde a mão invisível do liberalismo smithiano até as ideias de ordem e segurança.
As investigações de O reino e a glória remetem a uma ciência dedicada à história dos aspectos cerimoniais do poder e do direito, uma espécie de arqueologia política da liturgia e do protocolo, que poderia ser chamada provisoriamente de arqueologia da glória. Tais estudos situam-se no rastro das pesquisas de Michael Foucault sobre a genealogia da governabilidade e alcançam os primeiros séculos da teologia cristã, em que a doutrina trinitária serve como forma mais clara de revelar o funcionamento e a articulação da máquina governamental. Por meio de uma fascinante análise das aclamações litúrgicas e dos símbolos cerimoniais do poder, do trono à coroa, da púrpura ao feixe de varas carregado pelos litores (que se tornou símbolo do fascismo), Agamben constrói uma genealogia inédita que mostra como elementos considerados resíduos do passado continuam constituindo a base do poder ocidental.
É nesse percurso intelectual que o filósofo italiano identifica um importante paralelo entre as aclamações (gestos coletivos de louvor ou desaprovação) e a chamada opinião pública, e vai além com a constatação de que a esfera da glória não desaparece nas democracias modernas, mas desloca-se para novos terrenos, como a mídia. A democracia contemporânea é uma democracia inteiramente fundada na glória, ou seja, na eficácia da aclamação, multiplicada e disseminada pela mídia além do que se possa imaginar (que o termo grego para glória doxa seja o mesmo que designa hoje a opinião pública é, desse ponto de vista, mais que mera coincidência). E, como reforça o autor, é a partir disso que o problema hoje tão debatido da função política da mídia assume novos significados e nova urgência.
Trecho do livro
"De que maneira a liturgia 'faz' o poder? E se a máquina governamental é dupla (Reino e Governo), que função a glória desempenha nela? Para os sociólogos e os antropólogos sempre é possível recorrer à magia, à esfera que, confinando com a racionalidade e precedendo-a imediatamente, permite explicar, em última análise, como um resquício mágico aquilo que não conseguimos compreender a respeito da sociedade em que vivemos. Não acreditamos em um poder mágico das aclamações e da liturgia e estamos convencidos de que nem mesmo os teólogos e os imperadores tenham alguma vez acreditado nisso. Se a glória é tão importante na teologia, é porque permite manter juntas, na máquina governamental, trindade imanente e trindade econômica, o ser de Deus e sua práxis, o Reino e o Governo. Ao definir o Reino e a essência, ela determina também o sentido da economia e do Governo. Permite, portanto, soldar a fratura entre teologia e economia da qual a doutrina trinitária nunca conseguiu dar cabo completamente e que só na figura deslumbrante da glória parece encontrar uma possível conciliação."