Vivendo no fim dos tempos
Slavoj iek
Boitempo
ISBN:9788575592120
Idioma: POrtuguês
368 Páginas
Não deveria haver mais nenhuma dúvida: o capitalismo global está se aproximando rapidamente da sua crise final. Slavoj iek identifica neste livro os quatro cavaleiros deste apocalipse: a crise ecológica, as consequências da revolução biogenética, os desequilíbrios do próprio sistema (problemas de propriedade intelectual, a luta vindoura por matérias-primas, comida e água) e o crescimento explosivo de divisões e exclusões sociais. E pergunta: se o fim do capitalismo parece para muitos o fim do mundo, como é possível para a sociedade ocidental enfrentar o fim dos tempos?
O fato é que a verdade dói, e para explicar por que tentamos desesperadamente evitá-la, mesmo que os sinais da grande desordem sob o céu sejam abundantes em todos os campos. iek recorre a um guia inesperado: o famoso esquema de cinco estágios da perda pessoal catastrófica (doença terminal, desemprego, morte de entes queridos, divórcio, vício em drogas) proposto pela psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross, cuja teoria enfatiza também que esses estágios não aparecem necessariamente nessa ordem nem são todos vividos pelos pacientes.
De acordo com iek, podemos distinguir os mesmos cinco padrões no modo como nossa consciência social trata o apocalipse vindouro. A primeira reação é a negação ideológica de qualquer desordem sob o céu; a segunda aparece nas explosões de raiva contra as injustiças da nova ordem mundial; seguem-se tentativas de barganhar (Se mudarmos aqui e ali, a vida talvez possa continuar como antes...); quando a barganha fracassa, instalam-se a depressão e o afastamento; finalmente, depois de passar pelo ponto zero, não vemos mais as coisas como ameaças, mas como uma oportunidade de recomeçar. Ou, como Mao Tsé-Tung coloca: Há uma grande desordem sob o céu, a situação é excelente.
Os cinco capítulos se referem a essas cinco posturas. O capítulo 1, Negação, analisa os modos predominantes de obscurecimento ideológico, desde os últimos campeões de bilheteria de Hollywood até o falso apocaliptismo (o obscurantismo da Nova Era, por exemplo). O capítulo 2, Raiva, examina os violentos protestos contra o sistema global, em especial a ascensão do fundamentalismo religioso. O capítulo 3, Barganha, trata da crítica da economia política, com um apelo à renovação desse ingrediente fundamental da teoria marxista. O capítulo 4, Depressão, descreve o impacto do colapso vindouro, principalmente em seus aspectos menos conhecidos, como o surgimento de novas formas de patologia subjetiva. E, por fim, o capítulo 5, Aceitação, distingue os sinais do surgimento da subjetividade emancipatória e procura os germes de uma cultura comunista em suas diversas formas, inclusive nas utopias literárias e outras.
iek é otimista quanto ao que pode surgir desse processo de emancipação e apresenta sua obra como parte da luta contra aqueles que estão no poder em geral, contra sua autoridade, contra a ordem global e contra a mistificação ideológica que os sustenta. Para ele, engajar-se nessa luta significa endossar a fórmula de Alain Badiou, para quem mais vale correr o risco e engajar-se num Evento-Verdade, mesmo que essa fidelidade termine em catástrofe, do que vegetar na sobrevivência hedonista-utilitária. Rejeita, assim, a ideologia liberal da vitimação, que leva a política a renunciar a todos os projetos positivos e buscar a opção menos pior.
Trecho do livro
Essa virada na direção do entusiasmo emancipatório só acontece quando a verdade traumática não só é aceita de maneira distanciada, como também vivida por inteiro: A verdade tem de ser vivida, e não ensinada. Prepara-te para a batalha!. Como os famosos versos de Rilke (Pois não há lugar que não te veja. Deves mudar tua vida), esse trecho de O jogo das contas de vidro, de Hermann Hesse, só pode parecer um estranho non sequitur: se a Coisa me olha de todos os lados, por que isso me obriga a mudar? Por que não uma experiência mística despersonalizada, em que saio de mim e me identifico com o olhar do outro? E, do mesmo modo, se é preciso viver a verdade, por que isso envolve luta? Por que não uma experiência íntima de meditação? Porque o estado espontâneo da vida cotidiana é uma mentira vivida, de modo que é necessária uma luta contínua para escapar dessa mentira. O ponto de partida desse processo é nos apavorarmos com nós mesmos. Quando analisou o atraso da Alemanha em sua obra de juventude Crítica da filosofia do direito de Hegel, Marx fez uma observação sobre o vínculo entre vergonha, terror e coragem, raramente notada, mas fundamental:
É preciso tornar a pressão efetiva ainda maior, acrescentando a ela a consciência da pressão, e tornar a ignomínia ainda mais ignominiosa, tornando-a pública. É preciso retratar cada esfera da sociedade alemã como a partie honteuse [parte vergonhosa] da sociedade alemã, forçar essas relações petrificadas a dançar, entoando a elas sua própria melodia! É preciso ensinar o povo a se aterrorizar diante de si mesmo, a fim de nele incutir coragem.