Este livro trata, com muita delicadeza, do processo de luto, considerando sua pluralidade e revelando que existem muitos tipos de dor quando as perdas são significativas. Muito embora tenhamos a sensação de estar imersos em nossa solidão particular, a obra nos mostra o contrário. Há um universo de pessoas que tentam diariamente encontrar novos caminhos para recomeçar a vida após momentos de perda. Nesse sentido, as organizadoras trazem depoimentos de vários lutos diferentes. O materno, o masculino, o anunciado, o político. O luto neonatal e gestacional. O luto por infertilidade, por desaparecimento, pela perda de um animal. O luto trágico, amoroso, da pessoa trans, da família, do imigrante, de Deus, de um futuro, de um país. O luto por violência, pela covid-19, por suicídio. Dando voz a essas experiências singulares, podemos nos conectar com elas e, assim, encontrar maneiras de elaborar nosso sofrimento. A psicóloga Camila Alves aborda o luto por um animal em “Delicadamente, ela se foi”. Cega aos 15 anos de idade, por causa de uma retinose pigmentar, ele adotou um cão ‑guia. A Pucca chegou em 2010, quando Camila tinha 20 anos, e morreu em 2020, com 12 anos de vida e 8 de trabalho. Historiador, professor e deputado federal, Chico Alencar presenteia os leitores com seu depoimento sobre um luto político em “Perdas e danos”, em que discorre sobre os “tempos amargos” que vivemos no passado recente, no qual prevaleceram o negacionismo, a irracionalidade, a mentira e o ódio. Daniel Carvalho, coordenador do projeto Luto do Homem, perdeu a filha Joana seis dias após o nascimento dela, por complicações no parto. Em “Silêncio”, ele recupera o antigo e conhecido cartaz de hospital para mostrar que o luto do homem costuma ser silenciado e abafado na sociedade, ainda que o padecimento, como o seu, seja esmagador. Eduardo Medeiros é cozinheiro e empreendedor. Em “O luto de uma pessoa trans e seus renascimentos”, ele compartilha como sua privação de existir com liberdade para se construir enquanto indivíduo afetou sua vida e o levou a vivenciar lutos diversos. Tendo renascido somente aos 20 anos de idade, mostra como se cura, se reinventa e, ainda, se constrói e aprende a se amar, apesar de tudo. “De um velório a outro” é o título do depoimento de Eliane Arenas, doutora em Educação, no qual ela desenvolve suas lembranças do luto por um pessoa querida para ligá ‑lo a outro, mais antigo, motivado pela morte de outra pessoa benquista. Eliane mostra que aparentemente os lutos nunca morrem. Fernanda Chaves, jornalista e ex‑assessora de Marielle Franco, foi a única sobrevivente do ataque a tiros que matou a vereadora carioca e seu motorista, Anderson Gomes. Em “Fragmentos do luto possível”, ela relata as suas perdas para a violência ― a amizade de dez anos, o colega recente, o trabalho ― e o impacto delas em sua vida. Cantor, compositor, ex ‑ministro da Cultura, ex ‑embaixador da ONU, “Artista pela Paz” da Unesco, entre tantos outros méritos, Gilberto Gil perdeu o filho Pedro, de 19 anos, em 1990, em um acidente de carro. Com toda a sua delicadeza, Gil nos conta desse luto por um futuro perdido em “Eu agora não tô mais com medo, tô com Pedro”. José Mauro Brant, ator, cantor e contador de histórias, revela em “Um tiro que mudou a história ― Relato em três atos”, com grande comoção, a trama mais desoladora de sua vida ― a perda do próprio pai, em uma época em que o governo federal incentivava e facilitava o acesso às armas de fogo no país. Jovita Belfort é mãe de Priscila Belfort, desaparecida no início de 2004, um caso nunca solucionado, que ela retoma em “Saudade sem fim” para relatar como sobreviveu a essa dor. Em 2019, Jovita assumiu a Coordenadoria de Prevenção e Enfrentamento ao Desaparecimento de Pessoas, no Rio de Janeiro. Leandro Frederico Marques, mestre em Teologia pela PUC ‑RJ e psicólogo clínico, esteve por muitos anos à frente da Igreja Presbiteriana Betânia Litorânea, em Niterói. No depoimento “Passagem”, ele conta a respeito do drama que viveu quando ainda era conhecido como Pastor Leandro e depois que deixou a igreja. Lucinha Araújo é mãe de Cazuza, primeiro artista brasileiro que revelou publicamente ser HIV positivo. Filantropa, Lucinha fundou a ONG Sociedade Viva Cazuza, criada após o falecimento do filho. Em “O tempo não para”, ela relata as dores do seu luto anunciado e como sobreviveu a ele. Em “A menina ainda dança”, a psicóloga clínica Márcia Noleto descreve o luto que viveu com a perda da filha Mariana, de 20 anos de idade, em um acidente de helicóptero. Tomada pela dor e lutando contra a tristeza, Márcia decidiu compartilhar sua experiência e criou em 2015 o Instituto Mães Semnome, para ajudar mães enlutadas. Quem nunca teve um ídolo? No texto “O luto de um país”, o fotógrafo Marcus Vinícius Pavan expõe o seu lado personalíssimo de um luto coletivo: a morte de Ayrton Senna da Silva, o piloto de Fórmula 1 mais premiado, conhecido e querido do Brasil e um dos mais admirados e lembrados em todo o mundo. Margareth Pretti Dalcolmo, médica, pneumologista e pesquisadora da Fiocruz, tornou ‑se uma figura emblemática na luta contra a covid‑19. Incansável na linha de frente do combate à pandemia, ela descreve suas experiências em “Um luto pressentido” e critica com veemência o negacionismo instaurado no país quanto à doença. Em “Barriga oca”, a psicóloga clínica Mariana Magalhães compartilha as suas tentativas de realizar o desejo de ser mãe e o luto decorrente. Depois de tentar por quatro anos engravidar naturalmente, recorreu por mais dois anos à fertilização in vitro em três clínicas de reprodução assistida, onde perdeu dez pré ‑embriões e viu seu sonho naufragar. Monica Benicio é vereadora no Rio de Janeiro, arquiteta urbanista voltada para o “direito à cidade”, militante de direitos humanos e feminista. Perdeu inesperadamente a sua mulher, Marielle Franco, assassinada em 14 de março de 2018. Monica se emociona e nos emociona ao relatar o luto de um amor com garra e imensa saudade. O venezuelano Victor Meneses confidencia como foi a sua vinda para o Brasil em um depoimento de título muito sugestivo, “O cinza e as cores do Brasil”. Sentindo ‑se arrasado por não conseguir suprir as suas necessidades e as da sua família, ele apostou na ideia de um amigo e veio para um novo país em busca de vida melhor. Até os 18 anos de idade, Willams Amaral Nogueira viveu em abrigos em Recife depois de perder os familiares. Em “Um placar de virada”, ele conta que, em suas orações, só pensava em ter uma nova família. Foi por meio de uma campanha realizada pelo Sport Club do Recife que Willams conseguiu superar o seu luto familiar.